segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

[Conto Especial] Parte dois - 365 dias e 2 razões para odiar o primeiro dia do ano

Oi gente, demorou mas saiu!
Aí vem a segunda parte do conto de Ano Novo, se você quiser ler a primeira, clique aqui.




Finalmente consigo terminar meu trabalho de geometria gráfica. Resolvi me inspirar no desenho com o Vitor e recriei toda a Belo Horizonte de seis anos atrás no computador. Dando enfoque claro às construções que nos rodeavam naquele momento, mas deixei os dois bonequinhos, já que eles fizeram parte daquilo. Seis anos se passaram e eu nunca mais ouvi falar nele. Moramos na mesmo cidade e inclusive passei o ano novo seguinte na Praça da Estação, sem nenhum surto e dessa vez com o melhor amigo da minha vida, com a intenção de encontra-lo, mas nunca mais o vi. Aquilo não poderia ter só sido uma coisa momentânea, eu senti. E ele também, mas não tenho tanta certeza disso... Já que faz tanto tempo. Depois dele vieram alguns garotos, incluindo um namorado de dois meses que não aguentou meu gênio, mas que nunca me fizeram sentir sequer um porcento de tudo que o Vitor me provocou com um beijo.
Assisto a uma última aula teórica sobre a história da arquitetura antes da prova final e espero a Estela no pátio para irmos caminhando juntas para casa, já que ela ficou na sala para tirar uma dúvida com o professor. Pego meu celular e de repente me deparo com uma foto com a Mary. Quanto tempo já se passou... Aquele ano nunca fez bem para nós duas e por algum motivo, que nem eu sei o qual, perdemos o contato. Estávamos cheias de problemas, e quando ela mudou, eu fiquei pior, porque mesmo sabendo que ela estava sofrendo por causa do pai, eu precisava dos conselhos da minha melhor amiga para a minha situação também... Porém na faculdade eu conheci amigos incríveis. A Estela foi a primeira a se arriscar comigo e a agradeço muito por isso, já que ninguém tinha a coragem de vir falar com aquela garota diferente do primeiro dia. Confio muito nela, mas ela não é a Mary no fim das contas, não é mesmo? E nem o Caio, meu melhor amigo do Ensino Médio. Tenho que parar de procurar nas pessoas o que eu nunca vou achar e aceita-las como são!
Olho outras fotos nossas que nunca saíram do meu celular, porque eu odeio tirar tudo e colocar no computador, apesar de eu ter o perigo de ser roubada, o que graças a Deus, nunca aconteceu. Revejo fotos nossas de aniversário, passeios, viagens e a última... A do Ano Novo... Eu sinto uma saudade tremenda dela e até poderia procura-la, mas... Sempre tem uma conjunção! Mas, porém...
Vou seguindo a seção nostalgia até que me deparo com o Ensino Médio e o Caio. Além de relembrar a certeza de que ele sempre vai ser meu anjo. Ao contrário da Mary, que está em outro estado, ele continua por aqui, fazendo a faculdade dele e alegrando meus dias.
Apesar de toda a minha tristeza quanto à Mary, encontro a foto do meu Réveillon com 17 anos... Duas na verdade. Uma na chuva com o meu melhor amigo e a próxima com a minha família. E aquela virada foi quando descobri que viradas de ano finalmente existem por um motivo...

Já estava cansada de escutar a rádio horrível que meu pai sintonizou desde sempre, então coloquei um pendrive com a playlist mais depressiva de todos os tempos mais os piores hits de 2013. Que tipo de pessoa eu era? Meu pai nem reclamou e eu só encostei o rosto no vidro e fiquei observando o movimento da estrada. Tínhamos acabado de sair de casa e quando avistei uma nuvem negra, fui avisando...
“Pai, a gente devia passar a virada em casa mesmo...”
“Aurora, eu tenho que te tirar de casa e precisamos visitar sua avó. Já conversamos sobre isso.”
“Mas vai chover, olha aquela nuvem lá”, apontei.
“Nunca chove em Réveillon, fica despreocupada. E mesmo que chova, nós conseguimos chegar.”
Então não adiantaria nada eu reclamar mais... Fiquei com um pouco de sono e de repente vi meus olhos fechando, mas logo eles se abriram de novo porque vi as primeiras gotas caírem no vidro e a estrada totalmente deserta. Quem viaja na véspera? Só eu e meu pai mesmo.
Olhei pra ele e percebi que o Sir. João estava de cara feia para o céu. Tirei o pendrive e coloquei um CD antigo que eu tinha guardado...

Quando a chuva passar, quando o tempo abrir. Abra a janela e veja eu sou o sol...

Aquela música estava um pouco errada, o sol era a última coisa que apareceria por aqui... A chuva começou a engrossar e o que menos esperávamos acontece... O pneu fura. Meu pai solta uns palavrões e olha no relógio, nove e dez. Ele espera alguns minutos para ver se a chuva passa um pouco para resolver a situação, mas só piora. Ele me chama para ajuda-lo a trocar e eu estou tirando o cinto sem reclamar quando alguém aparece no vidro dele com uma sombrinha e bate.
“Precisando de ajuda?”, diz uma voz masculina que conheço muito bem.
“Caio?”, eu pergunto e sorrio.
“O acaso veio ajudar vocês, ninguém quer passar o Ano Novo de pneu furado não é mesmo?”, ele brinca e meu pai abre a porta.
“E aí, filho!”, eles se cumprimentam e o Caio fecha a porta depois de sorrir pra mim. Meu pai sempre gostou muito do Caio e amava quando ele ia lá em casa e me tirava do quarto... Escuto-os tirando o macaco e o estepe do porta-malas e trocam o pneu.
Observo a água batendo no para-brisa e me lembro do quanto o Caio se tornou importante na minha vida depois que a Mary foi embora.  Por três anos, e agora espero que por toda vida, aquele garoto que eu achava pegador e exibido, se tornou meu melhor amigo. Ele quer fazer teatro e eu arquitetura... E nunca vamos esquecer um do outro. Não acho que foi o acaso que o mandou aqui, porque sempre prometemos proteger um ao outro... E Deus pode ter enviado o Caio aqui para provar mais uma vez que ele vai ser para sempre meu melhor amigo! Apesar da música que está tocando no player confirmar o que ele disse sobre estar aqui.

O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...

Deixo a música tocando e saio do carro. Recebo olhares de desaprovação por estar toda encharcada, mas não ligo. Dou um abraço no Caio e ele me deseja Feliz Ano Novo.
"Como você apareceu aqui?"
"Ah Aurora, Deus sabe o que faz quando coloca gatos como eu na vida de gatas como você não é?", ele brinca comigo e volta a ajudar o meu pai que estava olhando para nós de soslaio. Ele sempre torceu por nós dois e que algo a mais florescesse, o Caio até me jogou umas indiretas para que tudo não terminasse com uma tentativa falha e uma amizade interrompida, mas eu disse que nós éramos bons demais para sermos namorados. Eu até me peguei pensando nisso outro dia, mas outro garoto vez questão de que a ideia fugisse da minha cabeça completamente. 
Tempos depois lá estava meu melhor amigo curtindo a vida com uma garota gente boa, mas que acabou partindo o coração dele e quem estava lá para curar o coração do Caio? A amiga aqui. E é para isso que as amigas servem. 
Sorrio vendo os dois terminarem o serviço, eles se abraçam e o meu pai agradece e ele vem em minha direção...
"Espero que este ano seja diferente, minha flor"
"Esse ano foi. Como todos os outros. O próximo também vai ser", dou um beijo na bochecha dele e ele vai pegar o carro do outro lado da rodovia. Ele está voltando para BH e já tem dezoito anos, então nada de problemas. Ele buzina e dou tchau, enquanto meu pai me arrasta para o carro. A chuva nem estava me incomodando mais...

Parece que chegaremos na casa da vovó a tempo e que eu vou precisar de uma roupa nova, parece que teremos um Ano Novo mais que normal e parece que eu finalmente recebi a resposta que não é um único dia que deve definir o quanto meu ano vai ser bom, mas sim tudo o que eu fiz na vida e as pessoas que consegui levar junto comigo. 

***

Estou sozinha em casa, a minha mãe saiu para fazer compras, então saio da dieta me entupindo de pipoca enquanto assisto séries na Netflix. Isso é um programa típico de uma universitária que está de férias e dando graças à Deus pelo semestre ter terminado. Lembro-me do quanto batalhei para conquistar a minha vaga. Foram noites a fio estudando, confissões e incertezas mas tudo isso me faz orgulhar da pessoa a qual me tornei, com a ajuda da minha mãe, depois do episódio mais traumatizante da minha vida. Balanço a cabeça para afastar essa lembrança quando sou surpreendida pela campainha, me levanto e me dirijo até a porta.
Sou surpreendida por um oficial de justiça com um olhar indiferente, talvez seja reflexo da sua exaustão. Cumprimento-o formalmente, estendendo a mão. Ele me fala algo que mais me parece ser um texto ensaiado e finalmente me fala o que é realmente do meu interesse, ou não.
-Fui enviado para lhe entregar essa intimação sobre a prisão e possível condenação do senhor Gustavo Dornellas. – Depois que ele falou isso, não consegui prestar atenção, apenas assinei onde foi indicado. Todos os meus gestos a partir daí foram mecânicos, quando aquele homem foi embora me senti exposta e o meu mundo perdeu as cores outras vez.
Não sei o que aconteceu, mas aquela intimação diz que meu pai cometeu uma tentativa de homicídio, e eu estou sendo chamada para comparecer ao presídio para visita-lo e ficar a par dos meus bens.
Desde os meus 14 anos vi o meu pai com os olhos cheios de raiva e desprezo, mas uma parte de mim sempre achou que ele poderia ter mudado. Mas essa parte está errada, meu pai, um assassino? Ou melhor, um idiota, já que nem para matar alguém ele conseguiu ser bem sucedido. Afasto esse pensamento perverso que me assusta. Então penso em como contar à minha mãe, ela sempre se faz indiferente quando o assunto é o seu ex marido, mas acho que ela ainda sofre a traição e ainda não superou seu último romance já que não arrumou nenhum namorado. Ela é bonita e nem aparenta ter 36 anos e conquistaria alguém sem muito esforço. Já percebi vários homens tendo segundas intenções em um diálogo com ela, mas perdem a esperança pelo jeito que ela conversa com eles, sem sair muito da pose e ignorando as suas investidas. Um dia perguntei a ela o motivo dela não se envolver com o sexo oposto, ela apenas respondeu que a nossa casa seria um lar de mulheres felizes e realizadas e ela estava feliz com a vida que estava levando. Desde então parei de incentivá-la, espero o dia em que ela esteja pronta e com a sua ferida curada.
Enquanto espero a minha mãe chegar, mando uma mensagem para o Guto, falando pra ele tudo o que está acontecendo e que terei que viajar até BH para resolver essas pendências. Imediatamente, o meu celular vibra com a chegada da sua resposta, assim como o meu coração!
“Ô minha princesa, fica triste não, tudo dará certo! Quando você tem que estar em BH? Estou comprando as nossas passagens. Não deixarei você passar por isso sozinha, quer que eu vá até aí ficar com você?”
Sorrio ao ler a mensagem sabendo que ele realmente é capaz de atravessar a cidade de ônibus para ir me ver, já que o seu carro está na oficina. Ele consegue me surpreender cada dia mais, como assim ele vai viajar comigo? Não estou reclamando, estou apenas surpresa.
Ainda com o sorriso nos lábios mando outra mensagem.
“Não precisa vir até aqui não, lindo. Não contei pra minha mãe e preciso estar sozinha com ela pra dar a notícia , mesmo sendo tentadora a sua proposta. Se você disse que vai comigo, não serei eu a me opor, precisarei de muito carinho nesse dia. Tenho que estar lá quarta, dia 23. Quero muito acreditar que tudo ficará bem, mas com o meu pai na parada, não sie quanto tempo isso vai demorar. Te amo!”
Envio a mensagem e deixo minha mente me levar de volta ao dia em que eu o conheci.
Estava sentada num banco no parque do Ibirapuera chupando um picolé, enquanto tirava foto das árvores cheias de flores a minha frente. De repente sinto algo úmido e quente nos meus pés. Quando olho, me deparo com um cachorrinho de língua roxa e pelo caramelo mais fofo que eu já vira. Estou brincando com aquele cãozinho quando chega um garoto arfante e desesperado e ao ver o cachorrinho no meu colo parece estar mais aliviado e chama aquela bola de pelos de Dobby, ele corre aos pés do garoto. Só então fui observar minuciosamente aquele garoto que se materializara na minha frente. Ele era mais ou menos da minha altura, tinha cabelos negros cortados na medida certa, seus olhos eram azuis e penetrantes, sua pele branca estava vermelha com a exposição ao sol, seu corpo era normal sem a obsessão por músculos, o que não deixava ele menos bonito. Ele vestia uma blusa escura que contrastava com os olhos claros e uma bermuda clara e chinelos. Percebi que enquanto o observava, também recebia o mesmo tratamento, então meu rosto esquenta. Decido acabar com aquele joguinho antes que ele pense que estou entrando em combustão espontânea, como um mortal em contato com um Deus. Apenas digo:
-Então, o nome dele é Dobby? Ele é seu? – ele parece desconcertado, mas logo ele recobra a “consciência” e responde:
-Sim, ganhei ele há algumas semanas da minha mãe. Ele é fofo não é?
Aquele garoto sim, é que era fofo e muito lindo. Me peguei pensando em como as nossas mãos se encaixariam perfeitamente se entrelaçássemos os dedos, mas não sou atirada então apenas digo:
-É muito fofo mesmo, sempre quis um cachorro, mas nunca pude realizar esse desejo, porque a minha mãe tem alergia, então fica complicado já que moro com ela.
-É uma pena. Animais tem o poder de nos transformar. Nunca sairia de casa para ir a um parque se ele não ficasse me implorando com esses olhinhos que conseguem tudo o que quer. Mas acho que vou fazer isso mais vezes, quem sabe não dou a sorte de te encontrar de novo? – imediatamente meu rosto esquenta e dessa vez ele percebe, então abaixo os olhos e encaro os meus pés. Ele se senta do meu lado, segura o meu queixo e me faz olhá-lo nos olhos dizendo:
-Ei! Não precisa ficar com vergonha. Só acho que o Dobby é o meu amuleto de sorte por me proporcionar um encontro com uma garota tão linda como você. – enquanto ele diz isso, passa pela minha mente todos os beijos e finais felizes das princesas que eu sempre quis viver. Recobro os meus sentidos e vejo aquele garoto lindo sorrindo para mim, aquele sorriso podia ser a causa do meu e só de imaginar que a causa do sorriso dele seria a minha presença, sinto borboletas no meu estômago. Então me dou conta de que não sei o nome dele e ele está se levantando para ir embora. Num impulso seguro a mão dele e aqueles olhos me encaram, decido perguntar antes que a minha coragem vá embora com a mesma rapidez que chegou:
-Você não me disse o seu nome.
-Ah, você também não me disse o seu. – ele me diz isso, arqueando as sobrancelhas, como um desafio. Resolvo acabar com aquele joguinho e digo:
-Então vamos solucionar o seu problema! Prazer, sou Mary.
-Prazer, sou Guto! Gostei muito de te conhecer, estou encantado! – selamos a nossa conversa com um aperto de mãos. Ele olha no relógio e diz:
-Nossa, olha a hora! Tenho que ir. – ele beija a minha bochecha e o contato dos lábios dele sobre a minha pele causa um arrepio. – Até mais, Mary! – e ele sai correndo como o coelho branco da Alice. Me deixando tonta com a pronúncia americanizada do meu nome. Ai meu Deus, será que esse é o início do meu conto de fadas?
Sou retirada das minhas lembranças quando escuto um barulho de chave na porta, a minha mãe chegou.
-Mãe, tenho algo pra te contar. Senta aqui ó. – falo indicando a poltrona ao meu lado.
-O que foi filha? É algo sério? Você parece preocupada. – ela diz isso e se senta ao meu lado.
-Mamãe, um oficial de justiça veio aqui em casa hoje. – Ela me olha com uma dúvida no olhar, então decido falar tudo de uma vez. – Ele trouxe uma intimação para mim. O papai está sendo acusado de tentativa de homicídio e eu tenho que ir pra BH na quarta-feira para fica a par do processo. Você quer vir comigo?
Ela me pareceu surpresa, mas logo se levantou e foi para a cozinha e disse:
-É claro que não quero ir com você. Aquele homem é apenas o seu pai e não tenho nada com isso. – minha vez de ficar surpresa, sempre achei que ela ainda gostava dele, mas estava enganada.
-Tudo bem, mão. O Guto vai comigo tá? A gente vai de manhã e volta a noite, não tem problema não é?
-Claro que não, filha. É até melhor ele te acompanhar. Assim fico mais tranquila. Mary acho melhor você ir dormir, essa semana vai ser muito corrida. Boa noite! – dou um beijo nela e vou para o meu quarto, quando deito na cama o sono me acolhe como uma boa amiga.
***
Acordo assustada e confiro a hora no celular, ainda não estou atrasada, mas se bem me conheço vou ficar muito atrasada se não levantar nesse exato momento. Levanto da cama inebriada de sono, tomo o meu banho e vou para a cozinha comer alguma coisa. Abro a geladeira e pego um iogurte e bebo. Não estou com fome mas já que preciso me alimentar, que seja algo leve. Ainda estou bebendo o iogurte quando ouço a campainha. Ele chegou. Corro para abrir a porta com borboletas no estômago, já faz três anos que estamos juntos e eu ainda fico nervosa com a sua chegada, o seu toque e o seu beijo. Abro a porta e corro para os seus braços. Estou desesperada pelo abraço dele, é a única coisa que me transmite tranquilidade e segurança. Ele me abraça e passa as mãos pelo meu cabelo me acalmando.
-Oi princesa! Como você tá? Desculpa não ter vindo ontem, mas lá em casa tá uma correria. – dizendo isso ele me beija e por alguns segundos esqueço de tudo, penso só nele. Esse é o poder que o beijo dele tem sobre mim.
-Não tem problema não, eu estou bem, juro. Estou muito feliz que você está aqui comigo. Então, vamos?
-Claro que sim. - ele se curva e joga o braço para a frente. – Primeiro as damas.
-Obrigada cavalheiro. – digo isso enquanto seguro uma saia imaginária e o agradeço como uma verdadeira princesa. Entrelaço os meus dedos nos dele e ele me guia até o táxi.

Já estamos sentados na poltrona do avião esperando a decolagem. O Guto entrelaça os dedos nos meus e me beija no pescoço, depois diz:
-Você não está bem não é? Está calada desde que saímos da sua casa, está aérea. Estou fazendo algo de errado? – esse é o meu namorado sempre tentando me agradar.
-É, não estou bem mesmo não. Mas relaxa que não tem nada a ver com você, Gú. Estou preocupada com o meu pai, só isso. – digo isso e fecho os olhos, ele parece saber do que preciso porque dessa hora em diante não me fala mais nada, só segura a minha mão me dando apoio.
Lembro-me do dia em que eu segurei a sua mão pela primeira vez como a sua namorada: Era véspera de ano novo, dia 31 de dezembro de 2012, estava no meu quarto lendo um livro esperando o sono chegar para eu ir dormir, já que não comemorava essa data. Escutei alguém batendo na janela, me assustei mas mesmo assim a abri e me surpreendi ao ver que era o Guto. Desde o dia no parque não tinha o visto de novo mas no meu primeiro dia de aula o reencontrei. Entrei na sala e me sentei na segunda carteira e fiquei mexendo no celular enquanto o professor não chegava. Alguns minutos depois um garoto se sentou atrás de mim e me cutucou. Quando eu virei, levei o maior susto, era ele, o garoto do parque. Desde esse dia nos tornamos melhores amigos, da minha parte sempre houve segundas intenções, mas preferi não ultrapassar a “friendzone”.Ele estava ali na minha janela e eu obviamente estava muito feliz por ele estar ali.
-Menino, tá maluco? Como você chegou até aqui? – pergunto a ele com um sorriso que já não me sai dos lábios.
-Pensei que você gostasse de contos de fadas. Não sabe reconhecer que o seu príncipe encantado está lhe pedindo pra jogar as tranças, Rapunzel? – eu sorrio de sua brincadeira e o convido para entrar.
-Então, o Réveillon estava chato? Ou você já bebeu o suficiente e veio aqui chorar no meu ombro? – desde que nos conhecemos, brincamos e falamos sobre tudo.
-Claro que não, eu não bebo e você sabe disso. Só queria ter uma companhia mais bonita e que me faz feliz nessa noite especial. – meu estômago dá uma volta ao saber disso.
-Não vejo nada de especial nessa. Mas mesmo assim fico honrada em saber disso.
-Vim aqui para fazer duas coisas. Mesmo sabendo que você não festeja nessa data, queria começar o ano sendo honesto comigo mesmo e com você. – OK, agora ele estava me assustando. – Sei que você vê em mim apenas um amigo, alguém para te fazer companhia nos trabalhos, nos passeios e nas maratonas de séries, mas gostaria que você soubesse que eu te vejo com outros olhos, sempre foi assim desde aquele dia no parque. Você me conquistou de primeira com os seus olhos enigmáticos e esse sorriso que me faz feliz sem precisar de mais nada. Talvez você não se sinta... – pressiono o meu dedo sobre os seus lábios impedindo-o de completar a frase mais errada que já ouvira. Ele parece não entender, então começo a me explicar.
-Fiz isso porque não quero que você fale que eu não sinto a mesma coisa por você. Desde o dia em que esses seus olhos azuis me encontraram, o meu mundo mudou, passou a fazer sentido e se o que eu sinto não for amor, eu não sei o que possa ser. – termino de falar e  fico perdida, ele decide por mim. Se aproxima olhando dentro dos meus olhos, coloca suas mãos na minha cintura e me puxa para mais perto, me abraçando encostando os seus lábios nos meus. Eu me entrego àquele beijo delicado, mas intenso. Lá pelas tantas, pergunto:
-Qual a segunda coisa que você veio fazer aqui?
-Isso. – ele inicia outro beijo e então tenho certeza, o Réveillon não é tão ruim assim.



Acordo com o Guto me dizendo que já chegamos. Ele me abraça e beija o topo da minha cabeça. Saímos do avião, pegamos um táxi para o meu antigo apartamento onde o advogado do meu pai está me esperando.
Ao chegar na porta do prédio hesito. Não quero ver aquele lugar novamente. “Mas você precisa” diz uma voz dentro da minha cabeça, então entro. Espero o elevador chegar no 15º andar onde eu costumava morar.
Abro a porta do apartamento e me deparo com uma outra casa. Aquela não era mais o lugar onde passei a minha infância, os anos mais felizes da minha vida com os meus pais e a Aurora. Pensar nela chega doer, então afasto essa lembrança. O advogado vem ao meu encontro e nos dirigimos até a sala de jantar para conversarmos. Ele me explica que o meu pai casou com a Kátia, mas alguns anos depois o casamento começou a ir mal e ele estava traindo a sua nova esposa. Ao ouvir isso me sinto vingada, a lambisgoia provou do próprio veneno. O doutor Guilherme continua a me explicar e pelo que entendi o pai foi preso por que tentou matar a tal Kátia. A minha “madrasta” fez o meu pai assinar um documento passando tudo o que ele tinha para o nome dela. Mas ela continuou gastando o dinheiro dele, agora meu pai está falido. A única coisa que resta é esse apartamento por que ele está em meu nome. Confesso que fiquei surpresa. Então pergunto ao advogado como ele está recebendo pelos serviços prestados. Ele me diz que está fazendo isso pelos anos de amizade que ele tem com o meu pai.
Então olho em volta, aquela casa não me pertence mais. Aquele não é mais o meu lar, não tem mais uma decoração clean, está mais para um apartamento de perua com todos aqueles enfeites. Decido fazer algo pelo meu pai em agradecimento pelo espermatozoide.
-Pode vender esse apartamento, Guilherme. Use o dinheiro para tirar o Gustavo da prisão e se sobrar algo fique para você em agradecimento. É só isso então? – digo isso me dirigindo até a porta. Aquele lugar não está me fazendo bem. Guilherme me faz assinar uns papéis antes de ir e me pergunta se não vou visitar o meu pai na cadeia, apenas digo:
-Ele escolheu essa vida, então viverá as consequências da sua escolha. – e vou embora.
Do táxi olho para o prédio novamente e penso: Até nunca mais. Durante o trajeto até o aeroporto só consigo pensar no por que isso estava acontecendo comigo, o Guto não me disse nada apenas me fazia cafuné.
Quando estamos dentro do avião me lembro da Aurora, eu estava na mesma cidade que ela mora ou não e não a procurei. Me sinto culpada, mas não posso me forçar a andar por essa cidade de novo. Tudo aqui me lembra a minha família feliz. Os momentos que passei a lado dos meus pais e da Aurora e pensar nisso agora me deixa triste. Então deito a cabeça no ombro do homem da minha vida e me permito ser cuidada por ele. Porque ele é a única pessoa no mundo que me entende com todos os meus defeitos e inseguranças. Mas quem sabe um dia eu não consiga me livrar dos fantasmas do passado ou trazê-los para a luz de uma vez.




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