Eu estava arrumando a bagunça que
a minha família deixou no meu apartamento em plena véspera de Natal e por puro
milagre eu não estava com olheiras, pois eram nove da manhã e eu tinha ido
dormir às quatro. Esse ano meu pai quis convidar todo mundo e enfiar aqui
dentro de casa, fazer alguma coisa diferente. Eu não contestei. Tive minhas
últimas provas na faculdade, passei para o próximo período e logo a semana
horrenda de fim de ano escolar acabou pra mim. A Estela viajou pro exterior com
a irmã e me deixou aqui, enquanto o Caio passou o Natal na casa dele mesmo. Não tive
coragem de chamar, porque ele ia ficar rodeado de garotinhas histéricas
gritando “Papai Noel” por toda a casa.
Sentei no sofá depois de tomar um
café e tirar toda o lixo da sala. Meu pai ainda estava trancado no quarto
dormindo e provavelmente só iria acordar depois das duas da tarde. Descansei um
pouco e fiquei pensando no quanto eu mudei em cinco anos. O quanto a minha vida
deu um giro e eu fiquei sem melhor amiga, o mundo ficou sem minha mãe, meu pai
teve tentativas frustradas de me dar uma madrasta, até hoje sem sucesso, passei
na faculdade e tenho dois melhores amigos incríveis... Mas parece que a vida
não está completa. Na verdade nunca está, porque o que a preenche é amor. Algo
que eu tive por breves momentos e foi tirado de mim.
Volto para o meu quarto, que
graças a Deus não foi invadido, pego meu portfólio com vários desenhos e folheio
até encontrar o que eu tinha feito há quase duas semanas. Meu coração começou a
bater mais forte só de pensar na garota daquela época e no garoto que nunca
mais tive notícias. Não era pra ser. Falo para mim mesma e uma lágrima escorre
pela minha bochecha. Eu definitivamente não tenho sorte no amor. Termino a
seção “tortura grátis” e volto a limpar o resto da casa vendo um episódio de
Natal de Glee.
Acabo de limpar tudo lá pelas onze
horas e escuto meu celular dando um bip. É uma mensagem do Caio.
Caca: Auroraaaaa, minha linda. Feliz Natal! A bagunça já acabou? Minha
família tá um saco de cá. :P Quer ir almoçar? Sei de um restaurante que fica
aberto...
Aurora: Vc é ridículo! Merry Christmas baby! Terminei de arrumar tudo
agora! SOS
Caca: Vc vai ou não?
Aurora: Isso depende se alguém vem me buscar sabe? Sou uma donzela
indefesa...
Caca: De indefesa vc não tem nada rockeira! Deixe os panos e vá arrumar
VC. Ah, nada de uniforme de rock. Obg
Aurora: Idiota!
Mando a última mensagem com um
sorriso no rosto e volto para o quarto, escolhendo uma roupa normal na
concepção do Caio, e não as minhas roupas normais. Escrevo um bilhete para o
meu pai e desço para a portaria.
“Aurora! Aqui!”, grita um louco de
dentro de um carro e corro para dentro.
Dou um beijo na bochecha dele e
coloco o cinto.
“Dá pra me falar onde a gente vai
agora, senhor Noel?”
“Ah, não, depois desse insulto é
que você não vai ficar sabendo”
Ele brinca comigo e foca na rua,
enquanto começo a falar da loucura do meu Natal e da bagunça que sobrou no fim
das contas. Estou tão empolgada que nem percebo que ele colocou o celular dele
na minha frente e uma mensagem.
“Sinto sua falta e não está sendo
nada fácil superar tudo sozinha... Gostaria que pudesse vir no Ano Novo. Quem
sabe nós não encontramos nosso caminho de volta e eu possa dizer com todo o meu
coração algumas coisas ao vivo? Com amor, Anna”, leio em voz alta.
“Quem é a garota? Por que você não
me disse nada?”, me viro pra ele e vejo seu rosto branco ficando vermelho.
“Explique-se, pois você não vai querer um escândalo no restaurante”, faço
cosquinhas nele. “Espero que a vaca não te tire de mim.”
“Ei, só você pode namorar aqui?”,
são as primeiras palavras que ele solta. Faço cara de Não-tenho-culpa-de-nada-não-namoro-há-séculos
e ele se rende. Estaciona o carro, sai e abre a porta do meu lado.
“Quando você estiver com comida na
boca vai ser mais fácil”, ele brinca e entramos no restaurante. Nunca vim aqui
e é muito aconchegante. É ala carte, então pedimos nossas comidas. Depois dele
dar um gole na água que pediu, mando.
“Caio, fala logo”
“Você tem que estar com comida na
boca”, e então ele desvia o olhar. Não paro de olhá-lo até que se torna
entediante até pra mim e enfim ele deixa tudo escapar.
“Conheci a Anna na faculdade ok?
Ela faz teatro também... E tivemos que fazer um trabalho juntos. Um diálogo na
verdade. Cena romântica.” Ele fica envergonhado e logo continua. “Ela me beijou
na frente de toda a sala quando terminamos a cena. Não estava planejado, e
depois no dia seguinte, me chamou pra sair.”
“Ui, garota rápida”, solto.
“Pois é, até eu fiquei
desconcertado e ficou assim por uns três meses. Saídas, beijos, aulas, olhares.
Eu não quis te contar, porque não queria que pensasse que eu estava te largando
ou trocando. Esse tipo de coisas. Mas daí, nem precisei... Uma semana depois,
antes de eu tomar a iniciativa de tornar tudo mais oficial, ela recebeu o
resultado de um teste que tinha feito para uma novela. Ela passou.” Ele suspira
e sinto que tudo ainda está ficando cada vez mais nebuloso. “Ela não queria ir,
por minha causa, até que eu disse que ela não poderia fazer isso. Fiz Anna
mudar de ideia. Mas o pai dela viu a gente conversando e entendeu tudo errado,
achando que um garoto qualquer estava forçando-a a ficar. Ele simplesmente se
mudou com ela no mesmo dia.”
“Sinto muito, Caio.”
“Eu também, o pai dela é horrível.
Isso foi no início do ano. O pior de tudo é que o irmão dela estava doente e a
situação ficou ainda mais horrível quando ele morreu... A Anna ficou sem chão e
eu não sabia o que fazer. Tentei ligar e até fui no Rio no meio do ano, mas o
pai dela me encontrou primeiro e me enxotou. Depois disso, fui embora e a
apaguei da minha cabeça.”
“Mas você claramente gosta dela”,
digo.
“Até que eu recebi essa mensagem,
ontem, e sabia que tinha que fazer alguma coisa”, ele foge da afirmação e agora
se cala de vez.
“Caio, olha pra mim”, e ele o faz.
“Quantas vezes eu já te disse que você merece ser feliz? Quantas vezes você me
disse a mesma coisa? Você sabe o quanto amor é precioso e o quanto eu daria
tudo para ter uma segunda chance...”, falo manhosa e coço a garganta.
“Pedir o número do telefone
talvez?”, ele brinca e sorri, pois sabe da minha história.
“Isso você já tem, o que me leva a
ser curta e grossa: vai pro Rio!”
“Não é tão simples”
“Basta você querer. Olha, deixa de
ser idiota, porque eu estou vendo nos seus olhos que você ama ela e que a tal
Anna quer que você vá, porque precisa dizer isso pra você também. Mensagem de
texto é muito pouco pra vocês dois. E aí, quando você vai?”, dou um gole no meu
suco que acaba de chegar e ele dá um suspiro.
“Só vou com uma condição...”
“Você vai buscar sua felicidade,
pode transferir a faculdade, ela pode voltar, vou ficar sem você, mas posso
viver com isso contanto que seja feliz... Não precisa de condição”, tagarelo e
dou opções a ele.
“Você tem que vir comigo”
“O que?”, engasgo.
“Eu, você e a cidade maravilhosa.
Podemos ir no Ano Novo! Isso! Você já viu os fogos em Copacabana?”
“Não”, mexo no canudinho e começo
a gostar da ideia. Apesar de que se tudo der certo no final, eu vou ficar de
vela...
“Ei”, ele segura minha mão. “Você
nunca vai me perder Aurora. Aconteça o que acontecer, sempre vamos ser amigos.
E quem sabe... Nessa viagem, você também encontre seu caminho?”
“O caminho de volta pra casa?”,
desdenho. Ele está prestes a replicar, quando finalizo. “Olha, vou ficar bem.
Sério. Preciso só conversar com o meu pai e ver se ele vai ficar bem sem mim.
Só isso e a gente vai”, ele sorri e eu dou outro de volta. Um sorriso de
pressentimento. Que esse Ano Novo não vai ser tão ruim e que eu tenho que me
divertir e simplesmente começar a viver minha vida.
***
Não foi tão difícil convencer meu
pai, ele me perguntou quanto tempo eu iria ficar no Rio de Janeiro e nem tinha
pensado nisso até que ele me informou que estava querendo ir para a praia e
estava com um sorriso grande no rosto. Ele iria ficar o mês todo em
Guarapari, mas eu também não queria ficar trinta dias no Rio, por isso disse a
ele que uma semana talvez e que sem problemas eu ficar com o apartamento todo
para mim.
Despedi-me dele no aeroporto e fui
fazer o check-in, cinco dias depois do Natal. O Caio me deu as passagens de
presente e agradeci, já que quase oito horas em um ônibus iria matar nós dois.
Eram três da tarde e ouvimos o chamado para o voo, depois de enjoarmos nas
cadeiras lendo revistas. Eu na verdade, cochilando no colo dele.
Entramos no avião e peguei a
poltrona do meio, já que o Caio ama a janela, e como ele pagou, não contestei.
Não faz diferença qual cadeira ele vai, a mãe dele me contou que a viagem pode
ter trinta minutos, ele dorme todos e fica como uma pedra, até o avião
aterrissar. Ou seja, não sei porquê ele insiste tanto na janela. Pego meus
fones de ouvido e plugo na cadeira para ver se a rádio está ligada enquanto não
decolamos. Olho para o lado, o Caio já está desmaiado. Por incrível que
pareça uma música está passando e fico paralisada, pois é da Meghan Trainor, Like I’m gonna lose you. E é muito
estranho, porque em um piscar de olhos sou transportada para outro mundo. Quase
seis anos atrás. Eu nunca poderia esquecer aqueles olhos, que ainda não
encontraram os meus... Ele arruma a mala de mão acima das nossas cabeças e
parece não perceber, mas eu percebo. Fogos de artifício começam a explodir
dentro de mim e não sei porquê ainda estou viva, pois meu coração está muito
disparado. Muito mesmo. Talvez o Caio acorde com o barulho das batidas. E
talvez ele nem se lembre de mim...
Meu coração começa a voltar ao
ritmo normal depois que a música acaba e eu começo a ficar preocupada. Por que
diabos ele não olha para o lado esquerdo?
O Vitor não mudou nada, mesmo
corte de cabelo, só que agora um pouco bagunçado. Sua pele está mais branca do que a
última vez e possui uma alma madura. Claro, ele tinha feito dezoito quando nos
conhecemos, mas mesmo assim, agora é diferente. Fico me perguntando se faz
faculdade, o que vai fazer no Rio, por onde esteve, se tem namorada... Mas ele
simplesmente parece ignorar o fato de que tem alguém do lado dele.
Um frio na barriga começa a me
percorrer e começo a passar mal... Não sei de onde vem essa sensação ruim, só
sei que ela só para quando abaixo a cabeça e a enfio na minha almofadinha.
Fecho os olhos para as lágrimas não me engolirem e aí sim que choro todas, e
ele provavelmente deve ter enfim me reparado, já que sinto uma mão acariciando
meu cabelo e é a mesma que cuidou de mim alguns anos atrás. Não quero abrir os
olhos e encara-lo agora que me “encontrou”, com a cara toda inchada sem razão.
Escuto uma voz no alto falante dizendo que vamos decolar e mais todas aquelas
coisas de segurança. Quando a parte do "aperte o sinto e coloque sua poltrona na
posição vertical para a decolagem" chega, eu sou obriga a levantar, pois não
coloquei cinto.
Não olho pra ele, mas sinto dois
olhos me observando enfim. E claro, com certeza era essa a impressão que eu
queria passar depois de tanto tempo sem notícias, cara molhada de choro. Não
estou inchada, pois peguei um espelhinho e verifiquei minha situação. Ele para de
olhar pra mim e ficamos em um silêncio constrangedor pior do que o que já
estávamos, pois agora eu não estou mais com a cara enfiada em um pedaço de
pano. Olho para o Caio, e daí escuto em alto e bom som:
“Pensei que nunca mais iria te ver
de novo...”, não respondo, pois não sei o que fazer, apesar de eu não querer
que o silêncio volte a reinar.
“Te procurei na praça, no ano
seguinte”, confesso. Ele sorri e pela primeira vez olhamos diretamente um para
o outro. Tudo o que eu precisava estava ali. Minhas respostas. Pois esse foi o
mesmo olhar que eu vi antes de nos beijarmos.
“É... Eu meio que quis passar lá
de novo, vai que eu tinha a mesma sorte... Mas eu tive que cuidar do meu irmão.
Sabe, eu devia ter te parado quando saiu correndo, devia ter te obrigado a dar
seu número pra mim... Devia...”, ele fecha os olhos e pensa em dizer mais
algumas coisas, mas volta a olhar pra frente. “Meu irmão é mais velho que eu,
dois anos, mas parece que eu sempre sou a voz da razão. Ele bebe demais e no
ano seguinte eu tive que cuidar dele, já que meus pais estavam de saco cheio de
tudo. A gente brigou, no dia em que nos conhecemos”, ele vira pra mim. “Pois já
estava querendo fazer besteira e eu perdendo a paciência. Até que eu encontrei
força em você. Fui um idiota de não procurar por toda aquela cidade a garota
mais linda que eu já vi, mas eu tive que fazer escolhas. Tive que ajudar o
Marcelo e depois veio faculdade. Faço medicina, o que já é um grande desafio.”
Ele terminou o monólogo e fico
surpresa por ele se abrir tão rápido assim. Esse voo vai ser tão rápido e se
tudo der errado eu só tenho que sair desse avião e nunca mais vê-lo... Então
resolvo desaguar tudo o que eu sofri esse tempo todo, logo que a aeronave fica estável depois de decolarmos.
“Naquele dia eu tinha perdido uma
pessoa importante na minha vida e outra não tão importante que simplesmente fez
questão de morrer pra deixar as coisas mais fáceis... Minha mãe. Talvez, um
dia, você queira o script completo, mas hoje não. Eu estava tão vulnerável
naquele dia e quando eu te conheci foi como se o meu céu negro estivesse
sumindo e dando espaço a um sol intenso e que nunca pararia de brilhar pra mim.
Vitor”, ele olha pra mim. “Depois que eu perdi o controle e você me salvou com
um beijo eu tive certeza que nada na vida seria tão difícil com um garoto como
você. Naquela noite eu senti esperança, e você se foi com ela. Desse dia em
diante eu sinto um vazio no peito por nunca mais ter te visto, pois eu tinha
encontrado e perdido, mais do que esperança naquele ano novo. Eu encontrei
amor. Eu era tão nova, mas mesmo assim senti como se todo o resto não
importasse, porque eu tinha achado você. Mas quando terminei o ensino médio,
comecei a faculdade, eu simplesmente comecei a deixar as coisas se encaixarem e
me deixar ser feliz. Só que aqui”, coloco a mão no coração. “eu nunca consegui
ser feliz de verdade e preencher esse coração quebrado, porque eu nunca achei a
minha harmonia de novo. Até hoje... Até a esperança me encontrar e...”, perco a
fala e sinto lágrimas escorrerem pelos meus olhos. Ele continua com um olhar
imparcial, então digo. “Sou uma idiota.”
E enfio a cara na almofada.
“Não, Aurora, você não é uma
idiota”, ele me diz e me faz levantar. “Você faz faculdade de que?”
Levanto e ele enxuga minhas
lágrimas. O contato de sua mão no meu rosto faz todo o meu corpo arrepiar e não
tenho medo, coloco minha mão sobre a sua e sorrio.
“Arquitetura.”
“Agora, o que vai fazer no Rio,
eim? Nossa que pergunta idiota, é claro que é passar o Ano Novo.” Eu tiro
nossas mãos do meu rosto e continuo a segurar a dele no meu colo.
“Hmmm, vou passar o Réveillon com
o meu amigo”, balanço a cabeça para a poltrona ao meu lado e fico pensando...
Será que ele tem namorada? Porque até agora não disse nada...
“Ah”, ele diz e tira a sua mão do
meu colo. Parece que alguém ficou com ciúmes...
“Na verdade eu vou ficar de vela a
semana toda, pois estamos na 'operação recuperar a Anna'. A menina que ele ama e
mora no Rio”, digo olhando para as minhas unhas como se fosse um assunto
trivial.
Ele volta a olhar pra mim e sorri.
Um sorriso maior e bem mais bonito do que o que eu já tinha visto antes.
“E você...?”
“Meu pai me chamou para
espairecer, porque eu fiquei todos esses anos focado na faculdade e disse que
seria bom eu conhecer gente nova. Ele acabou não vindo, para ficar com a minha mãe e o Marcelo. E daí chamei o meu primo de Sampa pra passar a virada no Rio então, pra eu não ficar sozinho, já que todos os meus amigos ainda preferem BH e tudo mais. Ele tem namorada e ainda vai convence-la, porque parece que ela não gosta muito de Réveillon. Se eles forem, disse que eu não seguraria vela, já que rapidinho eu arrumava uma carioca.” Ele vê meu olhar de decepção e nem
tento esconder isso. Me identifico com a garota, apesar de eu ter voltado a gostar de Ano Novo e parece que agora eu vou amar mais ainda pelo o que o Vitor fala em seguida. “Mas acho que nem vou precisar arrumar uma, porque tem uma
mineira linda na minha frente que dá de mil a zero numa carioca. Inclusive a
razão de eu ter me focado nos estudos e não ter tido nenhum namoro sério até
hoje.”
O que claramente quer dizer que
ele "ficou" com garotas. Tá, eu até namorei. Para de ficar com ciúmes, Aurora.
Fico vermelha pela revelação dele e percebo-o chegando cada vez mais perto.
“Aurora, não teve um segundo
também que eu não parei de pensar em você desde que você me deu às costas
naquele dia. Eu simplesmente não consegui achar a razão pra não conseguir te
tirar da minha cabeça, do meu coração. Mas daí eu descobri, há um tempo, que
aquela garota não saía daqui”, ele também coloca a mão no coração. “porque eu
estava insanamente apaixonado por ela... Que eu tinha acabado de conhecer. E percebi que não importam as horas, ou os minutos, ou os segundos que nos
conhecemos, nenhum deles fazem sentido quando o que eu sinto por você é...”
Eu não o deixo terminar e
subitamente voltamos ao ponto de onde paramos, só que agora o beijo dele está
muito melhor, apesar dessa posição horrível e tudo mais. Passo os dedos pelo
cabelo dele, enquanto ele faz o mesmo comigo. Ficamos nos beijando por um
tempo, até que ele se afasta e sorri pra mim me dando um beijo na testa, outro
na bochecha e mais um no pescoço. Pego o rosto dele com as mãos pra dar outro
beijo nele, mas já não tenho mais mundo para o que vem depois...
“Aurora, eu sei que pode parecer
rápido demais ou inesperado. Mas esse reencontro, esses seus lábios, essas
nossas declarações só deixam mais claro o que eu sinto por você e o que ficou
guardado por muito tempo sem eu poder falar”, ele me dá mais um beijo e quando
ele recua não consigo evitar, não consigo me separar dele e sou burra demais pra
deixa-lo terminar. Aliás, estamos compensando anos então... Não estou sendo TÃO
burra. As palavras podem ficar pra depois.
Olho no meu relógio de pulso. Passaram-se
meia hora
“Ainda temos muito tempo”, ele diz
e sorri pra mim como se estivesse contando as horas. Talvez esteja. “Em que
hotel você vai ficar?”
“Vou para um hostel que tem perto
de Copacabana.”
“Espero que tenha vaga, porque vou
cancelar minha reserva no meu hotel”, sorrio e dou um beijo nele. “E aí, namorada,
qual a programação?”, ele pergunta depois de pararmos de nos beijar. Estou
claramente gostando disso, do beijo claro. Mas agora, mais ainda de ser chamada
de namorada. Depois de o que? Nos reencontrarmos por trinta minutos. Me chame
de louca que eu replico com um “apaixonada”.
“Bom... Eu tenho um namorado”, dou
ênfase na última palavra. “Que vai fazer de tudo para essa viagem ser perfeita.
Esse final de ano na realidade, até porque eu vou ter que ajuda-lo a ter o
melhor aniversário do mundo sem os pais. Ele provavelmente vai estar um pouco
pra baixo sabe? E bom, eu tenho esse namorado...”, sussurro. “Mas não o conheço
tão bem... Acho que essa viagem vai revelar se ele é mesmo um namorado ou um
serial killer.”
Ele ri, uma risada gostosa e a primeira
coisa que descubro dele: sua risada é linda.
“Eu te conheço, Aurora. Tão bem
quanto você me conhece, pois está tudo aqui”, ele coloca a mão no coração e eu
o beijo novamente. Um avião não é definitivamente o melhor lugar pra isso, mas
é a melhor coisa que eu posso pensar em fazer agora.
***
Aurora e eu estamos na beira de um
penhasco olhando a paisagem e tirando fotos. Atrás estão as nossas barracas, e
eu não reconheço aquele lugar lindo. O pôr do sol se aproxima e estamos
eufóricas por esse momento. Saio de perto da beirada e entro na barraca, estou
mexendo na minha bolsa, quando escuto um grito vindo do lado de fora. Saio
correndo da barraca, quando olho para frente a Aurora não está mais ali e o seu
celular está caído no local onde ela estava. Ando até a beirada hesitante, ao
chegar olho pra baixo: a Aurora está morta.
Acordo assustada abraçando a minha
almofada. Pego meu celular e olho as horas, ainda são 5 da manhã do dia 30 de
janeiro. Quando lembro o que me fez acordar essa hora sinto vontade de chorar.
Tento convencer a mim mesma de que aquilo foi só um sonho e que a Aurora está
viva e em algum lugar do mundo alegrando muitas pessoas. Mas o meu coração
continua inquieto, ele sabe que eu não posso ter certeza disso. Faz seis anos
que eu não a vejo ou tenho notícias dela. Perceber isso me faz sentir culpada,
poderia ter me esforçado mais para restabelecer os nossos laços. Ela fez parte
da minha infância e ainda faz parte de mim. Não consigo dormir novamente, viro
na cama de um lado pro outro, quando perco a paciência levanto e vou tomar um
banho. Saio correndo do chuveiro quando escuto o meu celular tocar. Ao olhar no
visor o meu coração acelera e eu sorrio. Resolvo atender o celular.
-Oi amor! Te acordei? – pergunta
ele com aquela voz que é capaz de me acalmar em qualquer estado de espírito.
-Não, na verdade estou acordada
desde madrugada. Tive um pesadelo e não consegui pegar no sono de novo. – respondo enquanto pego uma roupa pra vestir.
-Nossa, princesa. O que aconteceu
nesse pesadelo pra te abalar tanto desse jeito? – Ai gente! Meu namorado sempre
preocupado com a princesa dele.
-Eu sonhei com a Aurora. – suspiro.
– Enfim, não vale a pena lembrar é só que eu sinto falta dela, ela é a minha
melhor amiga ou foi, sei lá. Hoje eu queria que ela estivesse aqui comigo. – despejo isso sem respirar, se o Guto não for capaz de me consolar ninguém mais
é, exceto a Aurora.
-Mary, por que você ainda não foi
procura-la nesses anos todos? Não precisa responder, eu sei. Mesmo não tendo
consciência disso você se afastou dela porque ela te fazia lembrar a sua antiga
vida. Sua família perfeita, sua vida perfeita. E agora depois que você me disse
isso sinto que a sua ferida foi curada e você está pronta para religar com o
seu passado. Ele pode não estar como há seis anos atrás. Mas eu estarei ao
seu lado para o que você precisar. – meu Deus obrigada pelo anjo que o senhor me
deu. Mas como assim ela pode não estar como antes? Desde que a Aurora
ressuscitou na minha mente eu não havia pensado nisso, o tempo passou e as
pessoas mudaram. Sinto uma vontade louca de saber como o tempo agiu na minha
BFF. Então falo:
-Eu sei de tudo isso Guto. Ela
sempre fez falta pra mim, mas só de lembrar como era minha vida naquele tempo
sentia raiva de tudo relacionado a ele e para o meu pesar a Aurora fazia parte
disso. Mas de agora em diante vou me esforçar para reencontrá-la, não
permitirei que o meu pai estrague ainda mais a minha vida. A propósito, por que
você ligou mesmo? Tenho certeza que não foi pra ouvir meus dramas.
-Tá bom, não foi, mas ouvir faz
parte do seu pacote de príncipe delivery. Gostaria de te fazer um convite e já
aviso logo, não aceito não como resposta. Você topa ir pro Rio de Janeiro pra
gente ficar juntinhos no Réveillon? Meu primo me
convidou pra passar a virada em Copacabana e eu fiquei de ver com você, mas
como você é a melhor namorada desse mundo, você vai comigo! – eu não estou com
clima de Réveillon, na verdade não curto essa festividade, mas ele está tão
animado, eu não quero decepcioná-lo. Quer saber? Eu vou sim, mais uma coisa que
eu tenho que me religar. A virada do ano
era a festa que eu mais gostava depois do meu aniversário. Além disso,
amanhã é o nosso aniversário de namoro, sempre comemoramos em casa por minha
causa, mas esse ano vai ser diferente.
-É claro que eu vou. Vou adorar
ver os fogos de Copacabana, sempre sonhei com isso. Você tem razão, a ferida
foi curada e eu não vou mais sofrer por isso. Quando a gente vai?
-Não esperava toda essa animação,
mas vamos amanhã bem cedo! Ainda bem que você concorda comigo, então vamos ser
feliz. Mal posso esperar pra ficar agarradinho com você. Já estou com saudade.
Vou arrumar as coisas pra nossa viagem. Beijo!
-Nossa, mas como tá safado esse
meu namorado. Eu também mal posso esperar. Beijo, te amo.
Desligo o celular e vou falar com
a minha mãe sobre a viagem.
Nossa, não foi fácil, mas eu a
convenci. Mal posso esperar. Essa animação me alegra e preenche todo o meu dia.
Lembro de como a Aurora e eu ficávamos doidas para a meia noite chegar e o Ano
Novo começar. Como é bom ser criança, acreditávamos que nossas vidas mudariam
depois da meia noite, todos os impasses ficariam pra trás e nos tornaríamos
novas num passe de mágica, até que um dia isso aconteceu. Afasto a lembrança e
começo a arrumar a mala, preciso resolver muita coisa em pouco tempo.
Minha mala já está pronta, agora
preciso decidir o presente do Gú e a roupa que eu vou usar.
Já são duas horas da tarde, então
vou pro shopping resolver as últimas pendências pra começar o ano com o pé
direito. Nossa, o shopping em fim de ano até parece um formigueiro. Pessoas com
várias sacolas, crianças gritando, pessoas sem educação trombando umas nas
outras, em meio a essa confusão vasculho as vitrines em busca da roupa
perfeita. Então de repente eu a vejo: é uma blusa cropped branca estilo cigana
com viros no babado que cai nos ombros e nos seios. A saia longa branca fica um
pouco abaixo da blusa deixando uma parte da minha barriga de fora. O forro da
saia termina embaixo da bumba e a renda vai até o pé e do lado tem uma abertura
até a coxa. Corro até a loja para comprar esse conjunto. Quando coloco a roupa
comprovo a minha paixão a primeira vista: ficou perfeita, a vendedora brincou
falando que esse havia sido feito especialmente pra mim já que ficou lindo.
Tirei a roupa, paguei e continuei na busca pelo presente para o meu namorado.
Passei em frente a uma livraria e
resolvi entrar para namorar alguns livros. Perto dos livros da Paula Pimenta
tem um mapa. Meus olhos são puxados para ele e sim aquele era o presente
perfeito para o meu namorado. Ele sempre gostou de viajar e conhecer lugares
novos e com o mapa ele pode marcar todos os lugares que já visitou. É isso, ele
vai adorar.
Quando estou saindo do shopping
passo na Vivara para ver as novidades. Mesmo sabendo que dentro dessa loja eu
não consigo apenas olhar os pingentes e ir embora. Começo a olhar e um em
especial me leva para um lugar distante. O pingente é um coração escrito Best
Friends, que me faz lembrar a minha “best friend”. Resolvo levar o pingente, o
último para completar a minha pulseira. A Aurora e eu costumávamos comprar
nossos pingentes juntas. Chego em casa, cansada e tenho que arrumar os últimos
detalhes para viajar. Termino de arrumar tudo e vou dormir, tenho que acordar
cedo. Mal posso esperar para começar esse ano com o pé direito. Algo me diz que
esse Réveillon vai mudar a minha vida, de novo.
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